terça-feira, 7 de julho de 2009

I Parte

Capítulo I – Vida de Bruxa

1) É Fasintás...

Naquela manhã, ao pôr algumas ervas na chaleira para o chá, Bercimella não pôde deixar de acompanhar os movimentos de cinco salamandras, que se divertiam rodopiando e saltitando pelas labaredas do fogão. Contemplando-as, abstraiu-se das coisas à sua volta, concentrando-se plenamente na magia do espetáculo incandescente; faíscas, como pipocas de rubis, explodiam de vez em quando, aqui e ali.
Quando foi sacudida, daquela espécie de transe, pela batida surda de uma das abas da janela.
- É o Vento Leste... – logo percebeu – que novidades trará dessa vez? – indagou-se. Mas não prosseguiu com os pensamentos, pois, naquele instante, a porta, se escancarando, deu passagem a Dom Gastão, o Sapo – que, num só fôlego, saltou de lá para uma cadeira e desta para cima da mesa –, como se o próprio Vento o soprasse pelos calcanhares: – É Fasintás! É ele mesmo! – exclamou, empolgado. – Chegou hoje bem cedinho, com os primeiros raios de sol!

Fasintás era um Vento relativamente jovem, quer dizer, nem muito criança para andar por aí em bando de Ventos que se divertem levantando saias de senhoritas bem comportadas, ou fazendo senhores sérios e circunspetos correr atrás de seus guarda-chuvas; e nem tão velho, que só tivesse fôlego para soprar castelos de cartas. Era do tipo lépido e inconstante; fresco, frio e irrequieto; e se fazia acompanhar, na maioria das vezes, por um séqüito de Rajadas alegres e despreocupadas, que riam o tempo todo. Tão barulhentas quanto lindas – e que deixavam, minutos após ter passado, o ar repleto de partículas brilhantes e perfumadas.

Mas era do Leste, morada de Ventos fortes e destemidos; por isso, esperava-se que em breve fizesse a sua grande estréia, desencadeando uma boa reviravolta em algum lugar. Pelo menos, essa era a tradição de sua família; e uma tarefa que seus pais, tios, avós e bisavós, souberam, em outros tempos, desempenhar perfeitamente – quer dizer, ventosamente.

Todo o Povo Mágico, e principalmente Bercimella – uma das bruxas mais sabidas que já passou pela Escola de Magia Superior –, sabia que Fasintás, não só teria que cumprir seu papel familiar, como também, estava predestinado a ser um dos Grandes transformadores, ou seja, um dos Três Grandes Ventos que traria o Tempo da Meia Volta, segundo a Profecia do Livro Sagrado. Os outros dois eram: Zanzifás, que soprava do Oeste, com sua cara redonda de eterno bebezão e Ventarola, ventania altaneira, originária do Noroeste; ambos, primos de Fasintás por parte de mãe – e, ao que parece, tendo estreado recentemente em grande estilo...

- Seja o que for que ele estiver aprontando, é bom a gente se preparar – falou Bercimella, enquanto vertia o chá em duas xícaras de porcelana roxa; sentindo um arrepio que deixou os pêlos de sua nuca levemente eriçados. “Teria chegado a hora da Profecia tão esperada?” – e, sacudindo o intrometido pensamento, tomou um gole de chá.
Depois, andou até a janela – que bateu mais uma vez, como querendo chamar atenção – e ali ficou, acalmando-a e massageando-lhe os batentes; enquanto, entoando baixinho uma velha canção de ninar, deixava o olhar vagar até o Oeste da casa.

Dom Gastão refestelou-se confortavelmente na cadeira, sorvendo, com delícia, aquele que era, sem dúvida, o melhor chá da Floresta.