terça-feira, 20 de abril de 2010

2) Uma casa de feiticeira, com certeza

Justamente no lado Oeste ficava o campo das alfazemas; salpicado por violetas que nas noites de luar piscavam para a Lua – a qual, por sua vez, e por puro capricho e deleite, ia transformando-as em pequenas safiras. A intervalos, entre as flores, folhagens dos mais variados tons de verde espichavam a cabeça para apreciar o espetáculo; variações de roxos e lilases, que, lembrando um quadro de Monet, deixavam, no observador, a sensação de estar dentro de um.
Dizem ainda que, quem o fitasse por mais de dois minutos seguidos, poderia, sem perceber, começar a subir; e, subindo, subindo, pairar quase a um metro do chão. Ali, se ainda não tivesse se dado conta, invariavelmente iniciaria uma série de giros e cambalhotas em câmera lenta, para então – tal qual desatento viajante de tapete mágico – sair levitando, não raro até voando, e finalmente pousando... tão longe quanto sua imaginação o permitisse.

Aí viviam os sapos, presididos por Dom Gastão, que, além de ser o Sapo Chefe, era um grande Mago – na forma humana ou sapal –; e com quem Bercimella apreciava confabular e filosofar sobre a vida e as coisas desse mundo. Dom Gastão sabia tanto de astronomia e de música quanto de hortaliças: tempos de plantio, colheita, e sementes. Sem contar que sempre fora um tremendo intelectual. Tendo lido de tudo, jamais escondia suas preferências: Balzac, Eça de Queirós – a quem se referia como menino – e Shakespeare – esse, grande parceiro dos saudosos tempos da juventude, quando saracoteavam juntos na velha Londres.

Já do lado Leste – o lado em que nasce o Sol –, Bercimella decidiu, para homenageá-lo, plantar tudo o que fosse amarelo: batatas, abóboras, laranjas, girassóis, margaridas, milhos, mimosas, cenouras e algumas anêmonas vermelho-rosáceas, para contrastar. Nesse canto, era comum de se encontrar lagartos lagarteando ao Sol e coelhos, atracados em abóboras e cenouras. Sabiás-laranjeiras, que – como qualquer bruxo jovem sabe – adoram pés de laranjeiras, voejavam por ali.
Até o próprio Astro-Rei, não resistindo à beleza do lugar, freqüentemente era visto, em pessoa e esplendor, exibindo a sua magnífica luminosidade. Nesses dias, o local explodia numa força vital tão intensa, que até a terra palpitava, como um coração saudável, revigorado, animado e feliz.
Animais, pessoas, ou seres, que estivessem meio debilitados, ou precisando de uma energia extra –como no tempo das competições mágicas – iam então se chegando e, dentro de pouquíssimo tempo, além de apresentarem um ótimo aspecto, acabavam – em alguns casos – por irradiar algo que se assemelhava à própria luz solar.
Outros... bem... outros tornavam-se tão ardentes e apaixonados, que jamais se conformariam se não saíssem pelo mundo a distribuir sonhos de amor, abraços e beijos; como quem distribui balões e caramelos em festas de crianças. Soube-se inclusive que, tendo certa vez Sua Fulgurosa Majestade passado ali dois dias seguidos, sem querer fez com que quatro seres se tornassem incandescentes.

Ao Sul, havia um caminho que se estendia pela Floresta Encantada, e terminava – ou começava, dependendo do ponto de partida – num portãozinho que conduzia o passante, exatamente, ao jardim e à casa da bruxa. Por este caminho, que era conhecido como o “Caminho de Bercimella”, chegavam, não só os seus amigos humanos: na maioria músicos, bruxas, professores e magos – nesse caso, desvassourados, pois os que viessem de vassoura aterrissariam direto no vassouródromo dos fundos da casa; como seus amigos animais – para uma visitinha, ou em busca de ajuda.
Tal foi o caso de Centúplitas, o pequeno elefante – vindo da África com problemas de trompa entupida; ou de Rex, o Tiranossaurinho – perdido de sua mãe. Teve o insólito caso do Camelo Caramelo – que perdera não a mãe, mas as suas corcovas. Sem contar que por ali desfilavam tipos meio esquisitos, como Debret, o Et – queixando-se de que suas antenas estavam sintonizando vários canais de televisão, mas nunca o seu amor. Que, por sinal, o havia xingado de... desantenado.
Na verdade, ninguém por aquelas bandas poderia ser considerado um tipo “esquisito”, pois todos tinham penas, chifres, asas, orelhas pontudas, escamas, trompas... um olho só... ou mais de dois... antenas, chapéus pontiagudos, e as mais variadas cores, aspectos e feitios...
Todos também sabiam que, na Floresta, estariam sempre seguros e protegidos pela magia e bondade da amiga.
E, se acaso ela não ouvisse o distante uivo, gemido ou balido, de um animal ferido ou doente pedindo por socorro, outro então viria chamá-la, conduzindo-a até lá; pouco importando se o chamado acontecesse em tarde ensolarada, noite fria, ou durante uma nevasca. A necessidade falava mais alto, pois, além de sábia, a moça era também muito corajosa.

6 comentários:

  1. Ai que delícia de texto!!
    Eu,que nunca gostei de estórias infantis(sempre achei muito agressivas),fui seguindo,com que encantada, por este bosque....

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  2. suzana, eu também, mas nunca comentei nada. êta mundo mágico que rose nos traz. e agora vou até contar.
    .
    em bh, morava perto da praça raul soares,onde
    fica aquela pretensa obra prima urbana, imensa
    com seus não sei qtos andares de aptºs q nunca
    foram usados sei lá poque: conjunto juscelino kubtischeck. nome q nem sei a grafia certa, mas o homenageado, vcs conhecem, não? a praça belíssima mas à época, ponto caído por falta de qquer manutenção. era um reduto perigoso de se atravessar à noite, tenderam?
    .
    mudei-me pra cá e o verde dessa cidade foi a
    minha maior alegria. seu centro urbano parecia
    rural, de tantas casas com quintais enormes e
    onde a manga, a laranja e o caju, imperavam. e
    no calor q me amedontrava, nada melhor q estar
    na rede debaixo de uma das árvores.
    .
    tempo passa e vou morar com o futuro pai de meus filhos em uma chácara, na estradinha que
    levava ao horto florestal, à beira de um rio
    coxipó limpo e caudaloso. paraiso perdido qdo
    de lá nos mudamos. pais de primeira viagem e
    sós, nos mudamos para mais perto de todos os
    socorros. rs
    .
    resumindo, nessa chácara, conviviamos c/ tudo do bom e do melhor: sapos e rãs, insetos que nomes não tinham, cobras a perder de vista, um
    imenso lagarto - não saia de lá nem a pau, e pau não havia pra ele - e peixes q pescávamos
    sem vara e anzol. era só pegar com as mãos. e,
    claro, as árvores e rasteiras benfazejas.
    .
    não conseguimos ficar mto tempo no urbano e lá
    fomos pra outra chácara. e mais outra, agora já com todos os filhos, pequenos ainda.a vida deles era única, mmo q afastados no cotidiano,
    de seus amigos urbanos. conheceram novos e tão
    mais ricos que nos ensinavam o q aprendiam em
    suas relações com os q ali já moravam. uma das
    filhas que já dominava bem a escrita fazia o seu diário sobre tudo e nesse tudo q era novo e amado espaço, ela com sua curiosidade e com seu aprendizado.
    .
    a outra, no início vimos com preocupação, era
    a que mantinha uma relação de imã com animais.
    a primeira cobra, enrolada na janela, a outra,
    na porta da cosinha e a mais linda, ao brincar
    num quartinho de tranqueiras, a vê ao olhar p/
    o teto chamada q foi pelo silvo de uma coral.
    essa danada nos levou a chamar bombeiros, pois
    de lá não saia. tenho fotos dela e do irmão c/
    capacetes dos gloriosos salvadores da coral q
    encminhamos para o zoo da universidade.
    .
    não tinham medo de nada. iam para o rio q nos
    banhava e tbum! andavam pela "selva" visinha e
    só novidades. adoravam descobrir qual semente gerava o que. e faziam suas coleções. uma vida
    ceifada, não pela natureza, nos afastou de lá.
    era impossível continuar. mas, vira e mexe, um
    chega contando que passou por lá. e só boas lembranças são divididas por cá.
    .
    ai! que bom ter conseguido falar sobre isso!
    .
    mistérios de vidas, sim. que só nos faz bem...
    relembrar.
    .
    ufas!




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  3. Rúcula : Que gostoso ler seu testemunho!!!!
    Obrigada!

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  4. Ah! outra coisa encantada,Minas Gerais!
    aquilo não é um Estado do Brasil, é um estado de espírito!!!!
    Que montanhas,que paz,aque segurança elas me trazem!!!

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  5. e por isso me ufano de minhas amigas! Já disse que vou ser obrigada a conceder sociedade à Rúcula, tão bem e tão belo escreve contando.
    E adorei a história da guria imã com os bichos.
    Su, foi por isso decerto que o meu pai, o Hélio (sim!!!! sou filha do Sol!) resolveu acabar seus dias em Minas. E lá ficou.
    Eu e Marcelo, certa vez, eu com mania anos 70 de acampamentos, estávamos tomando café da manhã no meio da selva, quando senti que algo me fazia um carinho no pé. Educadamente retribuí. Era uma coral, que seguiu viagem. Marcelo ficou roxo. Tinha uns oito anos.
    Como sempre digo, acho que meus filhos sobreviveram, antes de mais nada, à própria mãe... rs.

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  6. obrigada, às duas!
    .
    suzana, minas é sim estado de espírito, mesmo que esteja ao lado do espírito santo, sem tanta espiritualidade. só a dos mineiros que não têm sua praia e abarrotam as de lá.
    .
    e não é que uma história vai tirando, na memória da outra, muitas outras histórias?
    que bom!

    bjocas!!!

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